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Maria da Penha ONLINE Governo do Distrito Federal
26/12/18 às 15h05 - Atualizado em 8/07/19 às 15h52

Brasília à beira do Lago

 

Projetado antes mesmo da cidade planejada, o Lago Paranoá é referência de Brasília. Como ideia, surgiu ainda na Missão Cruls em 1894 — sugestão de alívio para a baixa umidade do ar na região. Mais tarde, figuraria nas projeções de Lucio Costa como espaço de preservação e lazer.

 

Nas décadas seguintes à construção do Plano Piloto, a ocupação territorial mesclou o urbano e o natural. Conforme Brasília crescia, mais perto as edificações ficavam das áreas de preservação.

 

Com isso, vieram as cercas, os jardins exóticos, os píeres exclusivos. A paisagem foi alterada. O acesso, cerceado. O Lago idealizado para todos tornou-se para poucos.

 

Assim, a essência do espelho d’água, que devia ser aberto a toda população — esperada à beira da orla, não à margem dela — se perdia.

 

A ocupação irregular somou-se ao impacto ambiental, e o impasse então parou nos tribunais. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) questionou, em ação civil pública de 2005, o uso das zonas de preservação do manancial.

 

Como área pública e de preservação permanente, a orla do Paranoá deveria estar desobstruída e com vegetação íntegra. Por isso, em 25 de agosto de 2011, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios decidiu: a responsabilidade pela recomposição ambiental era do governo do Distrito Federal, a quem cabia retomar o espaço e patrimônio público no prazo inicial de 120 dias.

 

No entanto, quatro anos se passaram até que o Executivo local cumprisse a sentença para democratizar o acesso à orla. Com nova gestão, do governador Rodrigo Rollemberg, em 12 de março de 2015, a Procuradoria-Geral do DF firmou acordo com o MPDFT para iniciar a primeira fase da desobstrução.

 

Na ocasião foi apresentado o plano de fiscalização e remoção de construções e instalações erguidas na área de preservação permanente (APP) do Lago Paranoá. O documento indicava o cronograma de retirada de cercas, muros e obstruções nos 30 metros contados a partir do nível máximo do reservatório, a cota de 1.080 metros.

 

Para tornar a Orla Livre, foram dois anos de operações — uma vez que houve questionamentos judiciais, interrupções e retomadas. Em 20 de maio de 2017, as primeiras intervenções foram entregues. Afinal, era fundamental oferecer infraestrutura nos locais desobstruídos para organizar o uso pela população.

 

Área de preservação na orla

 

Inserido em área urbana, o Lago Paranoá possui usos múltiplos — da navegação e do lazer ao abastecimento para consumo humano. Por isso, o espelho d’água está mais suscetível a agressões do que os reservatórios mantidos em áreas mais protegidas do Distrito Federal, como o do Descoberto, na área rural de Brazlândia, e o de Santa Maria, dentro do Parque Nacional de Brasília.

 

A sensibilidade do ecossistema nos 109 quilômetros que margeiam o Lago enquadra a orla como área de preservação permanente. É o que estabelece o Código Florestal.

 

O artigo 4º da norma define que são de proteção permanente “as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento”.

 

Foi esse entendimento que embasou a sentença do Tribunal de Justiça do DF e Territórios para determinar a desocupação de 30 metros à beira do Paranoá. O perímetro é definido pela Resolução nº 302, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

 

Em 2015, além do plano de fiscalização e remoção das construções irregulares, o acordo do governo local com o Ministério Público do DF e Territórios também incluiu um calendário de desobstrução.

 

 

Vaivém jurídico

 

 

25 de agosto de 2011

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) determina ao governo do Distrito Federal a desobstrução total da orla do Lago Paranoá. A ação civil pública movida, em 2005, pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) transitou em julgado.

 

12 de março de 2015

Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) e MPDFT firmam acordo parcial para cumprimento das obrigações previstas pela decisão judicial.

Primeira medida foi estabelecer o plano de fiscalização e remoção de construções e instalações erguidas na área de proteção permanente (APP) do Lago Paranoá — 30 metros a partir da cota máxima do espelho d’água (1.080 metros).

 

24 de agosto de 2015

Começa a desobstrução da orla do Lago Paranoá, pela QL 12 do Lago Sul. São retirados muros, cercas, portões e quaisquer materiais que estejam na APP.

 

7 de março de 2016

Decisão proferida pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Souza Prudente suspende as operações de desobstrução da orla do Lago Paranoá. No mesmo dia, magistrado emite comunicado para explicar que decisão era apenas relatório interno do gabinete.

 

24 de abril de 2016

Competência do TRF para deliberar sobre a questão é questionada pela Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do TJDFT no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

30 de junho de 2016

Medida cautelar expedida pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, decide que juiz da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário, do TJDFT, é competente para tratar do tema.

 

1º de julho de 2016

Retomada imediata de medidas de desobstrução é autorizada. Decisão foi proferida pelo juiz da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário, do TJDFT, Carlos Frederico Maroja de Medeiros.

 

22 de agosto de 2016

Liminar expedida pelo TJDFT suspende asfaltamento na área de preservação. Pavimentação se refere à construção de ciclovias dos Parques Ecológico do Anfiteatro Natural do Lago Sul (Parque da Asa Delta) e do Península Sul. Quaisquer outros projetos de uso ou manejo provisório na região devem ser comunicados em juízo para avaliação de legalidade.

 

26 de setembro de 2016

PGDF interpõe liminar em que solicita restabelecimento das obras de pavimentação na orla do Lago Paranoá.

 

28 de outubro de 2016

Governo do Distrito Federal é autorizado a retomar a pavimentação para construção das ciclovias. Medida foi expedida pelo desembargador do TJDFT Romeu Gonzaga Neiva.

 

30 de dezembro de 2016

Construção da ciclovia dos Parques da Asa Delta e o Península Sul é novamente suspensa por decisão do juiz de plantão Matheus Stamillo Santarelli Zuliani.Construção da ciclovia dos Parques da Asa Delta e o Península Sul é novamente suspensa por decisão do juiz de plantão Matheus Stamillo Santarelli Zuliani.

 

9 de janeiro de 2017Decisão que suspendia construção da ciclovia é revogada pelo juiz da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário, do TJDFT, Carlos Frederico Maroja de Medeiros.

Fonte: Procuradoria-Geral do Distrito Federal

 

 

As operações de retirada de cercas, muros e obstáculos foram iniciadas pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis) em agosto de 2015. As ações, constantemente interrompidas por embates nos tribunais, duraram dois anos.

 

“A maior resistência foi nos tribunais”, lembra a diretora-presidente da Agefis, Bruna Pinheiro. “[Eram] excelentes advogados e muitos deles moradores de casas próximo à orla”, conta.

 

1.736.675,09
metros quadrados de área pública retomada na orla do Lago Paranoá

 

Entre liminares e interrupções, a Agefis retomou 1.736.675,09 metros quadrados de área pública na orla do Lago Paranoá. Dos 454 lotes alvos de operação, 108 foram recuados por iniciativa dos próprios moradores.

 

Quem não retirou os obstáculos por conta própria teve de arcar com os custos operacionais. As cobranças somaram R$ 267.898,85. Individualmente, cada morador arcou com cerca de R$ 3 mil.

 

Ocupação irregular em área nobre

 

A desocupação das margens do Lago, local considerado o mais nobre de Brasília, tem significado especial para a história da cidade. A medida coloca o interesse público e as normas acima de privilégios e classes sociais.

 

Não à toa, as ações começaram pela área mais delicada do ponto de vista estratégico, segundo a titular da Agefis, Bruna Pinheiro.

 

O desgaste político do órgão foi significativo. Isso porque, até aquele momento, à Agefis eram atribuídas ações apenas em áreas de vulnerabilidade social, como a retirada de 500 barracos no Sol Nascente, em janeiro de 2015. “Éramos confrontados [com argumentos] como o ‘faz aqui, mas não faz na orla”, afirma Pinheiro.

 

Dessa forma, foi necessário construir o entendimento de que a medida seria cumprida, independentemente de classe social. “O mais difícil foi convencer a população de que a gente estava falando para valer. A falta de credibilidade, no começo, era muito grande”, avalia.

 

Diálogo com a comunidade

 

Em diálogo com a população, o governo buscou conscientizar de que a orla do Lago é área pública. O Plano Orla Livre foi apresentado em 8 de dezembro de 2016 e debatido em audiências com os moradores. Também foram abertas enquete e consulta pública virtual para que os brasilienses indicassem a infraestrutura que gostariam na região.

 

As ações de desocupação eram sempre precedidas de aviso prévio aos residentes na área. Assim, conforme elas avançavam, o recuo de cercas e obstáculos passava a ser feito espontaneamente pelos moradores.

 

Com antecedência de duas semanas, auditores fiscais da Agefis apresentavam a possibilidade de desobstrução por iniciativa própria. A medição dos lotes era feita por serviço de topografia da Secretaria de Gestão do Território e Habitação.

 

A ocupação de área pública na orla é resultado, em certa medida, da forma como Brasília se desenvolveu ao longo de décadas. É o que defende o secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade.

 

A proposta de aproximar comunidade e meio natural, segundo ele, está na gênese da cidade e, por vezes, ocorreu sem regramento específico, o que deu margem para variadas interpretações. “É um tipo de urbanismo muito característico de Brasília. Foram criados conceitos de área verde, embora sejam todos espaços públicos”, pondera.

 

Além de desobstruir, o governo de Brasília também assumiu o compromisso de tornar a orla acessível à população. Para isso, após as operações, iniciou, em 22 de agosto de 2016, as obras das ciclovias da QL 10 e da QL 12 do Lago Sul.

 

Acesso à orla para todos

 

A democratização de uma área de preservação permanente exige ajustes e cuidados para que a população possa ocupá-la em harmonia com o meio ambiente.

 

Com esse norte, o governo atuou em pontos específicos da orla do Lago Paranoá e implementou infraestrutura, como ciclovias, pistas de caminhada, trapiches (espécie de pontes de madeira) e pontos de apoio aos usuários.

 

Três pontos principais receberam melhorias e concentram o público. O Deck Sul, próximo à Ponte das Garças, na L4 Sul, é um complexo de lazer.

 

Inaugurado em 28 de maio de 2017, o espaço tem ciclovia, circuito de skate, parques infantis, ponto de encontro comunitário (PEC) e quadras poliesportivas, além de mesas de jogos, como damas, xadrez e pingue-pongue.

 

Para conforto dos usuários, o equipamento público conta ainda com pergolados, sombreiros e bancos de madeira e de concreto. Para permitir maior aproximação dos frequentadores ao Lago, há um deque de madeira, com 550 metros de comprimento.

 

Em 20 de maio de 2018 foi entregue à população a trilha de 6,5 quilômetros entre os Parques Península Sul e Asa Delta — nas QLs 10 e 12 do Lago Sul. A revitalização da orla havia começado por esse ponto, mas questionamentos na Justiça interromperam as obras e atrasaram o projeto.

 

A interligação dos parques é feita por dois deques de madeira do tipo cumaru. Uma das estruturas liga a calçada externa do Pontão do Lago Sul ao Parque Península Sul e tem 189 metros de comprimento. A outra, que une o Península Sul ao Asa Delta, soma 256 metros.

 

O traçado das trilhas — que são compartilhadas por ciclistas e pedestres — respeitou desenho pensado para o local anteriormente. Na década de 1980, um projeto já considerava o caminho para uma possível pista de caminhada.

 

Houve ainda a preocupação em adequar as rotas funcionais, a exemplo daquelas feitas por servidores da Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) para acesso a uma elevatória de esgoto na área.

 

Segundo o subsecretário de Projetos, Orçamento e Planejamento de Obras da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos, Luiz Batelli, o reaproveitamento de construções existentes evitou maior degradação ambiental.

 

“A construção civil causa um impacto muito grande, e estamos falando de uma área de preservação permanente”, contextualiza.

 

Para asfaltar a trilha não se retirou vegetação, de acordo com Batelli. “Quando a ciclovia ameaçava passar em algum lugar que teria de fazer supressão, a gente fazia o desvio”, pontua.

 

Para a recomposição da flora degradada pela ocupação irregular, foram plantadas 1.375 mudas de espécies nativas do Cerrado. Piscinas interditadas durante a desobstrução foram aterradas para segurança dos frequentadores e para evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti.

 

Em breve, os brasilienses também poderão usufruir de melhorias na Praia Norte, no Setor de Mansões Lago Norte. O local, que já concentra usuários, oferecerá instalações mais adequadas.

 

Visando a segurança dos banhistas, um ponto de apoio do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal está em construção. As obras incluem ainda oito quiosques, ponto de encontro comunitário (PEC), quadra de esporte e ciclovias. Além de deque de madeira de 239 metros, a Praia Norte terá estacionamento com 288 vagas.

 

As demais regiões acessíveis da orla serão readequadas por meio de parceria com a iniciativa privada. Para isso, houve o concurso do plano urbanístico de ocupação — Masterplan — da orla do Lago Paranoá. Em 21 de abril deste ano, o vencedor — o arquiteto Eron Danilo Costin, de Curitiba — foi anunciado.

 

Plano de reocupação do Lago

 

readequação da orla do Lago Paranoá está prevista no Masterplan, cujo detalhamento foi apresentado em outubro de 2018. O edital do concurso previa o alinhamento da proposta ganhadora às normas ambientais e de planejamento territorial vigentes em Brasília.

 

O estudo considerou três regiões passíveis de atuação: Lago Norte, Lago Sul e Plano Piloto. Há soluções de urbanismo, paisagismo e recuperação ambiental, mobilidade, potencial turístico e viabilidade financeira.

 

As regiões são divididas em 30 pontos e dois tipos de áreas: as que precisam ser protegidas e as que podem ser usadas pela comunidade.

 

Pelo projeto, os pontos de visitação terão sanitários, estacionamentos, pistas de caminhada e quiosques.

 

A infraestrutura, definindo os locais de acesso do público, é fundamental para evitar danos ambientais, segundo o secretário adjunto da Casa Civil, Relações Institucionais e Sociais, Fábio Pereira.

 

“Se não colocamos estacionamentos, as pessoas estacionam os veículos em qualquer lugar. Se não há indicação de por onde as pessoas devem caminhar, dificilmente crescerá uma vegetação típica do Cerrado em torno do Lago”, explica.

 

O plano apresenta como opção turística, por exemplo, a construção de mirantes, pavilhão de educação ambiental e até de uma roda gigante, que teria cobrança de entrada. Está prevista também a integração na mobilidade, com possibilidade de transporte hidroviário.

 

A implementação das melhorias, no entanto, ocorrerá gradualmente, pois é preciso cumprir etapas de licenciamento urbanístico e ambiental. “[O projeto foi pensado] para ficar 100% pronto em 15, 20 anos”, reforça o secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade.

 

O governo de Brasília organiza, no atual estágio, levantamentos para definir qual o melhor modelo de concessão à iniciativa privada. O estudo econômico e financeiro está a cargo da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap).

 

Em paralelo, o Executivo local cumpre as últimas três etapas para obter financiamento do Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Rio da Prata (Fonplata). O fundo poderá custear cerca de R$ 86 milhões para concretizar o plano de ocupação pública da orla.

 

 

Editor-chefe

Vinicius Doria

Reportagem

Maryna Lacerda

Edição

Amanda Martimon e Raquel Flores

Design

Carlos Drumond

Ilustrações

Ico Oliveira

Fotos

Andre Borges, Dênio Simões, Gabriel Jabur, Pedro Ventura e Toninho Tavares

Imagens aéreas

Gabriel Jabur

Edição de fotografia

Mary Leal

Desenvolvimento

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